quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Doping! Doping?

Nos últimos tempos os casos de doping têm sido acompanhados de intimidades. Esquisito. Que dizer do nadador francês Fréderick Bousquet, que depois de ter sido flagrado no exame revelou que há oito anos tratava de hemorróidas? Se defendeu dizendo que usava um remédio que não continha o estimulante heptaminol, mas que por conta de uma crise pouco antes de um torneio em seu país entrou na farmácia, comprou uma outra medicação e a usou sem ler a bula.

Há dramas que provocam risos. Querem outro exemplo? O do velocista norte-americano, La Shaw Merritt, medalha de ouro nos quatrocentos metros na ultima olimpíada, que irá amargar uma suspensão muito maior que a de dois meses imposta ao nadador francês. Merritt levou um gancho de quase dois anos. E por que? Segundo ele porque andou ingerindo um remédio para aumentar o pênis. Um remédio que prometia um aumento "natural" do dito cujo de até vinte e sete por cento. Pelo visto, nem todos os músculos de Merritt foram capazes de o levar até onde ele pretendia.

Esta semana até a vitória da Alemanha sobre a lendária Hungria de Puskas na Copa de 54 foi posta em dúvida, depois que um estudo revelou que vários jogadores alemães se doparam com injeções de pervitina, uma metanfetamina dopante. Segundo a pesquisa eles acreditavam que se tratava de vitamina C. Vai saber!

Mas a cena mais explícita de doping eu testemunhei dia desses. E essa ninguém me contou. Eu vi. A pelada corria solta na areia da praia. Próximo de uma das traves um verdadeiro amontoado de jogadores me chamou a atenção. Parei pra ver. Estavam todos ali na ânsia de ter nos pés uma bola que poderia vir da esquerda. Exemplo puro de futebol passional, com todo mundo achando que podia resolver a parada.

Restavam do outro lado do campo, claro, o goleiro do time que não estava sendo atacado e um zagueiro, que vestia uma camisa três azul celeste. Um senhor de bigode imponente e muitos cabelos brancos a sugerir respeito.

Até achei normal quando ele olhou para a barraquinha - que se encontrava pouco depois da linha lateral - e fez um sinal com as mãos. Imaginei, de imediato, que tinha acusado o golpe do calor e pedido uma garrafa de água. Segui, distraído, com os olhos na contenda e quase não acreditei quando o cara da barraca se aproximou com um copo nas mãos. Água? Que nada! Ele tinha mandado era preparar uma batida de maracujá.

Mediu os movimentos da rapaziada atrás da bola, o bolo perto da área adversária estava formado mais uma vez. Enfim, o momento era perfeito para o bote. Apertou o passo. Tomou o copo de plástico das mãos do barraqueiro, dispensou o canudinho e mandou pra dentro um gole robusto. Como percebeu que ainda tinha mais tempo. Tornou a apreciar a bebida. E não me venham falar em isotônicos. Voltou pra posição mais feliz do que nunca.

Não vou perder tempo esmiuçando a atuação dele depois disso, porque a essa altura vocês poderão achar que uma possível falta de classe para tratar a bola poderia ser resultado dessa prática, digamos, liberal. Puro doping? Pode até ser. Mas um doping charmoso. Sem a intenção de vencer ninguém. Pelo contrário, talvez o descompromissado zagueiro saiba muito bem que essa prática pode deixá-lo mais suscetível a derrota. Mas de que vale uma vitória sem prazer? Que vida boa essa do zagueirão lá da praia. Sem ter que dar satisfação pra ninguém. Não é?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Da vida dos Reis

Da vida dos Reis costuma-se exaltar os grandes feitos, o conforto, as facilidades da nobreza, as muitas mordomias. Tudo normal, quando o mundo, de tanto girar, fez desses nobres personagens fáceis. Que Reis nos sobraram? O Juan Carlos, da Espanha?

O que não se fala é que ao longo da história grande parte dos Reis não teve vida fácil. Morriam cedo. Muitos passaram a maior parte da vida em meio a batalhas ferozes, dormindo em camas de campanha, cercado de homens e de uma realidade imunda. Assim, e só assim, conseguiam reafirmar a condição de líderes e manter a honra.

Metaforicamente com o Rei do Futebol não foi diferente. Lembro que dez anos atrás, quando completava sessenta anos, Pelé concedeu uma entrevista a uma rádio. Depois de cumprir o compromisso por lá, se entregou a um bate-papo em clima amistoso, como sempre, com os jornalistas que naquele dia tinham a missão de ouvi-lo e, mais importante, tinham a informação de onde ele estaria.

Recordo também que no final do encontro, quando o pessoal já dispersava, eu, e se não me engano, o Luciano Faccioli, estendemos um pouco a conversa e tomamos a liberdade de brincar com o fato de sua majestade não ter um único fio de cabelo branco. Usaria o rei uma tintura? Nada como estar diante de um Rei "diferente".

Desta vez, perto de completar setenta anos, Pelé decidiu não falar. Quantas perguntas sobre o tema fariam sentido? Sinto, porque por outro lado, a idade costuma dar aos homens uma lucidez impressionante. Além do mais, uma chance a menos de falar com o Rei será sempre uma chance a menos.

Mas queria dizer que parte dessa lucidez percebi na entrevista que Pelé concedeu na última sexta durante o lançamento de um programa educacional-esportivo. Disse, por exemplo, que chegou a dizer pra Neymar que " o dom do futebol a gente ganhou de Deus. Mas o resto é a gente que tem que cuidar. A gente tem que cuidar da condição física".

Como li certa vez, se a gente pudesse aprender com a cabeça dos outros deixaria de dar várias cabeçadas nessa vida. Mas já vivi o suficiente para perceber que, entre aqueles que viram essa lenda dos gramados de perto, a condição física dele, inata ou não, foi um fator que o colocou na frente de todos os outros. Portanto, fica aí a dica, que serve até para os cabeças-de-bagre irem um pouco além.

Acho até que isso pode explicar aquela ausência de cabelos brancos nessa divindade. Há quem diga ainda que Pelé foi muito ajudado pelo fato de ter brilhado em uma época em que a televisão já se fazia presente. Não entro nessa. Se pouco vi Pelé, imagina os que vieram antes dele.

Respeito os homens pela história que deixam. Não é fácil construí-las. Pelé, quem sabe, desta vez, ciente disso decidiu dar um drible nessa invenção maluca que leva tudo de bom e de ruim para dentro da nossa casa. Pobre dos que não sabem usá-la com moderação. O que sei do Rei é que poucas vezes na vida encontrei alguém com tamanha capacidade para lidar com a fama.

Um dia, quando o Santos inaugurava o CT ali perto da Santa Casa de Santos, depois de perceber que o "homem" iria chegar e não havia uma bola no lugar. Sim, o centro de treinamento estava sendo erguido. Perto do desespero, implorei a um guri que se amontoava entre os fotógrafos e cinegrafistas para que arrumasse uma bola. O menino deu conta do recado.

Quando o Rei chegou, olhou aquela multidão de sedentos por imagens e declarações, mirou o sol, e decretou:

_ Quem está com câmeras vai pra lá. A luz tá melhor pra lá!

Ordenou que todos se posicionassem atrás de um dos gols. E com a bola debaixo de um dos braços caminhou lentamente até a linha imaginária do meio de campo, que também não existia. Colocou a bola no chão e veio com ela dominada, narrando sua trajetória até o chute derradeiro. Finalizou dizendo:

_ Lá vai Pelé! É gol!!!

Foi ao fundo da rede, pegou a bola e saiu dizendo:

_ O primeiro gol aqui nesse lugar foi eu que fiz! Isso ninguém vai tirar!

E eu nunca mais esqueci como era diferente de tudo ver Pelé fazer um gol.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Técnico ganha jogo?

Quantas pessoas você conhece que têm um treinador como ídolo? Será que eles são tão importantes assim? Veja, não se trata de diminuir a importância de figuras como Telê Santana e outros. Faço as perguntas tentando dividir com vocês uma reflexão sobre o frenesi que envolveu a chegada de Carpeginai ao São Paulo e, mais recentemente, a saída de Adilson Batista do time do Corinthians.

Não vou correr do lugar comum, até porque se a pergunta soa banal, sua resposta há tempos provoca profundas reflexões em botecos, mesas redondas e afins. Afinal, técnico ganha jogo? Não! Como ouvi certa vez de um pragmático que tinha o cotovelo apoiado no balcão. "Técnico só ganharia jogo se entrasse em campo. Como não entra, não ganha!". Vai discordar?

O fato é que ganhando, ou não, a importância deles é incontestável. Só sendo importante pra receber quase, ou meio, ou mais de um milhão de reais por mês. Não quero com isso dizer que não merecem cada centavo que faturam, mas quero apontar o que considero a grande virtude de um treinador.

Diria que um grande treinador é aquele que sabe como funciona o universo da bola e, principalmente, como os homens lidam e se comportam quando estão dentro dele. Isso explica porque nem sempre grandes jogadores se tornam grandes treinadores e porque pernas-de-pau nacionalmente conhecidos acabam sendo vistos como grandes estrategistas.

Há uma tendência, que me parece cada vez mais forte, de reduzir toda a complexidade do futebol a esquemas táticos. Na última sexta-feira, durante a coletiva que concedia a um grupo considerável de jornalistas, o treinador do São Paulo, Paulo Cesar Carpegiani, enquanto respondia a uma dessas questões táticas, não mediu palavras. Foi enfático ao avisar o autor da pergunta que não era "apegado a esquemas táticos, essas coisas" e que para ele mais importante que isso era o posicionamento do jogador em campo. Mas ninguém se interessou em fazer daquilo uma oportunidade pra mudar o rumo da prosa e o papo seguiu o curso de sempre.

No caso envolvendo Adilson Batista, a questão é outra. Por mais que tentem sinalizar que o problema passava pelo lado inventivo do treinador, muita coisa me faz crer que questões distantes dos esquemas e das teorias táticas levaram Adilson a jogar a toalha. Os desfalques? A necessidade de improvisar? Sim, tudo isso fez parte da receita que o fez durar pouco mais de dois meses no comando do time.

Mas, na minha modesta opinião, foram as questões humanas que provocaram a saída. Adilson se recusou a conversar com a torcida, por exemplo. Dizem que silenciosamente respondeu essa intimidação com uma ousadia disfarçada, colocando em campo todos os jogadores condenados pela voz que dizia falar em nome dos que frequentam a arquibancada. Técnico ganha jogo? Não. Mas na minha opinião valem mais aqueles que uma vez perdido o jogo fazem questão de salvar a honra.