quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Nostalgia

O carro seguia a mais de 100 km/h quando percebi o grupo de meninos no alto da passarela. Eram quatro. Beiravam os dez anos. Vestiam apenas shorts. Um deles carregava uma bola debaixo do braço. A visão sugeria que o destino era um campinho qualquer. Uma inveja boa me invadiu e a possibilidade da persistência de um futebol inocente me comoveu. Quisera toda a rivalidade continuasse sendo aquela que alimentávamos com o time da rua de trás.

Disse em outra oportunidade e repito: O futebol dos homens maduros profana aquela que um dia foi a nossa brincadeira preferida. Vejamos o que nos aguarda nesta quinta. Egito e Argélia voltarão a se enfrentar. Dessa vez para saber quem fica com uma das vagas na final da Copa Africana de Nações.

No ano passado quando decidiam uma vaga na próxima Copa do Mundo, o encontro entre as duas seleções, de tão grave, virou incidente diplomático. O ônibus que transportava a delegação argelina foi apedrejado quando chegava à cidade do Cairo. Três dias depois centenas de torcedores tomaram as ruas de Argel para declarar guerra ao Egito "dentro e fora de campo", como destacava uma notícia que eu li na época.

Um dos muitos alvos foi o prédio de uma companhia telefônica egípcia, que ficou destruído. Pra tornar a situação ainda mais espinhosa, os placares das duas primeiras partidas determinaram a necessidade de um terceiro confronto, que foi disputado em campo neutro, no Sudão, e terminou com vitória da Argélia por 1 a 0, num ambiente pra lá de pesado.

Também nesta quinta, em Milão, na Itália, o setor de visitantes do estádio San Ciro ficará fechado durante a partida entre Internazionale e Juventus, válida pela Copa da Itália. A decisão foi tomada pelo Comitê Italiano de segurança em eventos, por causa de manifestações racistas dos torcedores da Juve contra o atacante da Inter, Mário Balotelli, de apenas dezenove anos, que apesar de jogar na Itália tem origem em Gana, país que curiosamente também estará em campo hoje, diante da Nigéria, lutando pela outra vaga na final da Copa Africana.

Balotelli nasceu poucos meses depois dos pais biológicos terem emigrado para a Sicília. Nasceu com uma má formação no intestino que o fez passar os dois primeiros anos de vida no hospital. Entregue à família Balotelli por um tribunal de Brescia, nunca teve a adoção oficializada. Só depois de alcançar a maioridade pôde escolher sua origem.

Balotelli é italiano, e do tipo que não gosta de levar desaforo pra casa. Mas "não há italianos negros", gritava a torcida da Juventus com fervor dias atrás. É por essas e outras que toda imagem que sugere um futebol inocente me contagia. Mesmo quando eu passo por ela a mais de 100 km/h.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um carnaval, uma Copa e uma eleição

O tempo continua sendo o mesmo. Sessenta segundos a cada minuto. Sessenta minutos a cada hora. Vinte e quatro horas a cada dia. A mínima imprecisão contida nessa constatação é assunto para os estudiosos. O tempo segue igual. O que o faz andar depressa está em nós. Nada tem a ver com os relógios.

Hoje acordamos todos diante dessa fronteira invisível que separa os anos. Estamos, mais uma vez, neste dia em que parece mais fácil vislumbrar o passado e o futuro. Esse é o nosso presente.

Era uma vez o Flamengo campeão, o desamor da torcida palmeirense por Wagner Love, o Santos mudando de presidente, o Cruzeiro perdendo a Libertadores, o Fluminense se salvando do rebaixamento, o Belluzzo sendo vencido pela emoção. Tudo isso ficou pra trás. Depois dos fogos de artifício, dos abraços, sinceros ou não, depois de pular as sete ondas, voltaremos a nos banhar nas águas dos nossos compromissos. Carregando esperanças e promessas. Desejosos de novas vitórias e, quem sabe, conscientes de que só as indispensáveis deveriam consumir nossas horas.

Esse mundo está cheio de coisas mais importantes do que ganhar um jogo. Quem aí acredita, por exemplo, que fazer uma boa eleição pode nos dar mais orgulho e nos fazer mais felizes do que ganhar uma Copa do Mundo? De que lado desse duelo estará a maior torcida? O que diriam as pesquisas, que análises fariam os especialistas? Somos mais talentosos com a bola do que com a política não resta dúvida.

Na política nos falta um craque. Na política não temos um Pelé. E mais do que montar um time precisamos é construir um país. Precisamos de homens no sentido mais amplo da palavra, gente capaz de olhar nos olhos dessa nossa imensa torcida. Olhar com dignidade e não com desfaçatez. Não, não coce a cabeça e,se possível, resista ao ímpeto de deixar essa leitura de lado. Vestimos o mesmo uniforme, e não estou aqui para profanar a alegria branca que o momento sugere.

Mesmo que seu time vá mal, mesmo que o rival triunfe, mesmo que você abra as páginas deste jornal e encontre um articulista perdido em um deserto de acontecimentos esportivos tentando se escorar em alguma reflexão que valha a pena, ainda assim a felicidade será viável.

Além do mais as escolas de samba voltarão aos sambódromos para ajudar a manter o clima de euforia. As fantasias e os carros alegóricos serão a garantia do brilho. Vá se arrumando, 2010 vem aí, carregando no ventre um Carnaval, uma Copa do Mundo e uma eleição para presidente. O tempo seguirá igual. Sessenta segundos a cada minuto. Sessenta minutos a cada hora. O que poderá fazê-lo diferente está em nós.


* artigo publicado no jornal "A Tribuna", em 31/12/2009