quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O futebol pode esperar

Neste tempo em que as ruas e casas se enchem de luzes, neste tempo em que nossos dias não são marcados por rodadas, em que todos os pormenores do Brasileirão já foram avidamente dissecados, todos os lances vistos, o campeão louvado, neste tempo em que o time dos melhores já foi escalado, e o melhor do mundo eleito, é preciso se livrar da pressa.

Neste tempo em que já se escolheu o gol mais bonito, a maior furada,a revelação, a promessa não cumprida,o investimento que não deu em nada, neste tempo em que os árbitros já foram julgados, neste tempo em que nem os pernas de pau foram esquecidos e a eles foi dada até a honra de formar um esquadrão, pode apostar, é natal.

Neste tempo,de sol forte e muita chuva, a fonte de onde jorra a matéria prima dos cadernos de esporte se faz escassa e as mesas redondas perdem boa parte da graça, já não deve haver divididas.Neste tempo árido de lances pra debater, meu amigo Mimi, em conversa rápida, abre o coração, e confessa sua prematura saudade da emoção de um bolão, da curtição de uma tabela de resultados preenchida com devoção quase religiosa.

Sei que há por aí um futebol rolando, mas que não é o nosso. Nele os campos estão repletos de neve. E os times repletos de nomes que não sugerem proximidade alguma. Nada têm de tropical. O nosso futebol, está de férias. É hora de pensar nos presentes. Humildade para o Luxemburgo. Sorte pro Dorival Júnior. Tranquilidade pro Muricy. Aos nossos cartolas graúdos, aposentadoria. Ao Neymar, uma ousadia talentosa. À Diego Souza, um estilo menos duro. À Obina e Mauricio o perdão. Ao esporte de alto nível, corpos limpos. Aos atacantes, precisão. Ao Celso Roth, um título. À Messi, que ficou com tudo, nada. À Cesar Cielo outro ano assim.

E que nesta noite que se aproxima muitas bolas sejam descobertas por baixo dos papéis de presente coloridos. São elas que ajudarão a tornar os homens que estão por vir cúmplices dessa nossa entrega ao futebol. No futuro, quando as árvores se encherem de enfeites, quando os papais-noéis estiverem novamente expostos nas janelas e nas varandas,os meninos presenteados de hoje irão silenciosamente,como nós, desejar um novo campeonato pra se divertir. Ainda que de modo secreto.E irão dar risada com os amigos.E irão viver a euforia madura de um gol.E irão esperar a próxima Copa. E irão atrás de uma bola pra dividir com o próximo.

Que não se iludam, no entanto, nem os apaixonados de hoje e nem os de amanhã. Nesta vida é preciso muito mais do que futebol. Fosse pra dar um livro, daria Guimarães Rosa ou Fernando Pessoa. Fosse pra dar um disco, seria qualquer um de Tom Jobim ou Jorge Ben.

Neste tempo em que as ruas e casas se enchem de luzes, nesta noite em que driblamos o cotidiano para estar com os nossos, neste tempo.... o futebol pode esperar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Foi bom pra você ?

Lembra da última vez que você foi a um estádio? Foi bom pra você? Como o flanelinha te recebeu? Tenho certeza de que você se sentiu seguro, não só ao chegar, mas lá dentro também. Ir ao banheiro e comprar algo pra beber, então, foi tranquilo, sem maiores percalços. Sei. Posso imaginar.

Ah! Não foi bem assim? Opa! Não sabia que você já tinha cartão de crédito! Perdoe. Nossa economia anda tão dinâmica que nem me dei conta. ! Mesmo assim não foi uma maravilha? Entendo. Veja, esse papo de que tem coisa que o dinheiro não compra e que pra todas as outras existe não sei o que lá, é no sentido figurado. É uma alusão. Nada que mereça crença. Não se iluda. Esse cobiçado cartão de plástico só te permite comprar coisas do tamanho do crédito que tens na praça, e nem um centavo a mais. Não ouse. Existe uma grande diferença entre coisas que não se compram e coisas que não se encontram pra vender.

Não se trata disso? Como assim?Tens razão. Nessa era PFC a preguiça entrou no jogo pra valer. Lógico. Dá pra compreender! Nada como o sofá de casa, o clima familiar e todas as regalias possíveis à mão. Ir, ou ficar, decisão das mais disputadas essa. E, pra completar, o tempo em que a aura das arenas era convidativa passou. Ai, ai, ai. Diante da realidade que se apresenta é fácil concluir que há muito a fazer.

Talvez não! Uma pesquisa que acaba de ser divulgada sugere que uma única ação poderia levar boa parte dos torcedores a mudar de idéia. Sem organizadas, 61,7 % deles prometem voltar para as arquibancadas. A pesquisa feita pela TNS Sport Brasil no final de novembro ouviu gente de todos os estados brasileiros, mais o Distrito federal. O trabalho de campo revelou ainda que 86% dos entrevistados consideram as torcidas organizadas as principais responsáveis pela violência nos estádios.

Dizem os números desse estudo que São Paulo, a maior cidade do país - que já foi cenário de algumas das principais barbáries envolvendo esse tipo de torcedor - não é a que mais nutre repulsa por essas facções uniformizadas. O título ficou com a cidade de Santos, onde a rejeição alcançou 95%. Num país que ainda tem presidente de clube afirmando que as organizadas têm lá seu papel fica a prova de que a maioria deles sequer conseguiu entender direito os desejos da torcida.

Mas um banheiro limpo, um lugar marcado e respeitado, uma polícia pra "tomar conta" dos flanelinhas, uma venda de ingressos mais decente, também fariam um bem danado. Assim, talvez, nossos cartolas pudessem se aventurar nessa fatídica e traiçoeira pergunta, que é também o título deste artigo, correndo menos risco de passar vergonha na hora de ouvir a resposta.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ser fiel é...

A frase é de Luiz Paulo Rosemberg, diretor de marketing do Corinthians, e foi dita durante a Footecon, no Rio de Janeiro.


"O Kaká é um craque, é lindo, casou virgem. Onde a Fiel vai se identificar com ele? Agora com o Ronaldo é diferente. A história de vida dele mostra que ele cai, chora, levanta. É a imagem da torcida corintiana"

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Lembranças do domingo

Aí o Flamengo venceu e eu fiquei pensando, com uma vontade imensa de me render àquela visão de um Maracanã tomado de alegria, e registrar aqui apenas a beleza de ver a nossa maior torcida curtir o transe de um título brasileiro. Repito, a maior. Quem duvida dessa soberania do Flamengo é porque não entendeu o Flamengo, ou o futebol.

Isso sem falar no doce triunfo do jeito sereno de Andrade sobre as nossas celebridades técnicas. A sabedoria escondida no ato de perdoar ausências, e tantas outras nuances e habilidades que esse momento vitorioso esconde, e que não foram noticiadas pelos jornais.

Mas havia a realidade a querer me arrancar desse prazer. Uma realidade resistente à minha vontade de devanear. Crua. Repleta de babacas rebeldes, mimados, capazes de suportar apenas o lado vitorioso do jogo, invadindo o gramado do Couto Pereira, pisoteando, sem perceber, a beleza de um ano centenário.

Uma turba doente, pensando que podia se livrar da derrota do rebaixamento dando porrada, sem medo de sair na mão com ninguém, nem com a polícia. Uma corja de selvagens que manchou o prazer de torcer da maioria, que se escorou na covardia dos que atacam em bando. Exemplo de um tipo de gente que viola a diversão primeira de toda uma nação, e que azedou um tanto o meu domingo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Ó tricolor

Na sexta ele tinha nos olhos o brilho de quem enxerga um triunfo muito próximo. Despediu-se de todos com a gentileza de sempre. E partiu. Confiante. Durante toda a tarde tinha falado de futebol do seu jeito. Calmo, sereno. Em conversas um tanto reservadas, fez indagações aos mais próximos sobre como seria o final do campeonato.

Eu, que o conheço um pouco, sei que ele tem pelo futebol um misto de paixão e preocupação. Não gosta de nada que atente contra os bons costumes quando se fala de bola. No trato diário tenho com ele a liberdade de chamá-lo de "Excelência". Foi a maneira divertida que encontrei de homenagear e enaltecer a sua polidez. Quisera todas as Excelências fossem assim.

Fala mansa, muito mansa, uma barba branca bem cuidada, e no rosto traços que sempre sugerem um sorriso. Não se trata de um fanático, não. Mas tempos atrás quando uma grande fabricante de refrigerantes colocou alguns camarotes do Morumbi à venda, acompanhou com muita atenção lance a lance. Quem sabe não seria possível conquistar um lugar por lá. Tal interesse encontra explicação no passado. Terminado o primeiro casamento teve que ouvir, de coração partido, a ex pedir de volta aquela cadeira cativa no Cícero Pompeu de Toledo. Aquela que ele curtia mais do que ninguém. Coisa de família, disse ela. A vida é assim. Só algumas paixões permanecem. Nada que o impedisse de continuar sendo um habitué a cada momento decisivo.

Falo, claro, de um amigo sãopaulino. Segunda-feira, mal tinha pisado no serviço encontrou pela frente o primeiro engraçadinho pelo caminho. Era o ônus de ter sido o que mais perdeu na penúltima rodada. Ouviu palavras educadas, mas carregadas de cinismo, de sarro. Ponderou, como é do seu feitio. Não deixou provocação sem resposta. Encerrou a desconfortável conversa lembrando uma frase dita pela atual esposa: "Hoje é o São Paulo que faz alegria do povão". Veneno puro. Já não trazia nos olhos o brilho de antes. Seguiu caminho.

Ao se deparar comigo, pouco depois, disse com tom conformado - e irritado ao mesmo tempo - que agora o Borges e o Dagoberto podiam voltar. Deixou transparecer satisfação ao comentar a atuação de Washington. Concordei. Em seguida opinei. Tinha faltado feeling ao Marlos, que uma vez em campo, deixou a nítida impressão de não ter entendido a tarde que o camisa nove tricolor estava vivendo. Tivesse ele se tocado que o atacante estava num dia bom, em algumas jogadas teria optado pelo passe e não pela finalização. Ele ouviu. Assentiu. Deu a entender que não esperava nada do Marlos.

Eu pensei. Não deve ser fácil acostumar com a ausência de um título depois da euforia de um tricampeonato. Ainda mais quando se teve tão perto do quarto. Mas eu o conheço, se trata de um místico. Alguém que acredita nos astros. Só irá admitir que tudo acabou quando o som do apito do juiz decretar o fim neste domingo. Ó tricolor, és mesmo um clube bem amado. Mas a vez, por hora, sugere uma conquista do adversário rubro-negra. E momentos assim não costumam fazer parte dos hinos