quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Não se trata de uma obra-prima

A empolgação é geral. Nunca se viu coisa assim. O Campeonato Brasileiro está com a bola toda, cortejado, anunciado pelos mais empolgados como o melhor dos últimos tempos. É tanto entusiasmo que chega a ser constrangedor discordar. Eu, aqui na solidão do batuque no teclado, chego a pensar que o Deus do futebol tirou essa temporada pra nos ensinar. Ensinar o que mais ignoramos ao exercer este ofício, que nada podemos diante das surpresas que o jogo de bola trama. E mais. Nunca ricos e pobres estiveram tão iguais. Nunca os fracos puderam afrontar tanto os poderosos. Só pode se tratar de uma lição.

Mas ainda bem que essa força divina foi gente fina o bastante para não violar o espírito do futebol e nos dar a oportunidade de aprender se divertindo. Afinal, da dose de diversão não dá pra reclamar. O problema é com o que temos nos divertido. Fosse esse realmente um nobre Brasileirão estaríamos a essa hora com a memória repleta de grandes jogadas e grandes jogos. E acho que não é esse o caso. Vasculhe sua memória e talvez encontre a lembrança de muitas partidas modorrentas, sem o menor brilho, incapazes de gerar algum entusiasmo.

Lembro, inclusive, do descontentamento de muitos no primeiro turno, me arrisco até a dizer que a primeira partida desse campeonato que conseguiu alguma unanimidade foi justamente a que colocou frente a frente São Paulo e Flamengo, isso quando o torneio já completava sua décima rodada e, portanto, quase cem jogos já tinham sido disputados. Flamengo e São Paulo! Pode não ter sido por acaso. Mas quem foi capaz de sacar?

E o oba-oba que se instala, além de tudo, ofusca partes interessantes desse enredo escrito em 2009. É ou não é incrível saber que com uma folha de pagamento que poderia ser quitada com o salário de uma ou duas celebridades que andam por aí o Avaí foi longe? O time dirigido por Silas, neste momento ocupa o sétimo lugar, e se não tivesse perdido o último confronto estaria com o mesmo número de pontos de Atlético Mineiro e Cruzeiro.

Quanto a melhora no público em relação aos anos anteriores, é provável que esteja ancorada mais na consolidação dos programas de sócios torcedores e outros truques de marketing do que na melhora do produto em si. Campeonato bom é uma coisa, campeonato equilibrado e repleto de surpresas é outra.

Eu até concordo que esse Brasileiro está nivelado ao extremo, mas não por cima. No fundo acho que essas rodadas derradeiras - sensacionais - estão sendo confundidas com qualidade. Nada a ver. Com essa superdose de acontecimentos extravagantes, derrotas desacreditadas, vitórias inesperadas, brigas, voltas por cima, fica fácil compreender a euforia.

Já os principais sintomas de um grande time, dar conta de tarefas atrevidas, consolidar vantagens na primeira oportunidade que aparece, têm sido coisas raras. O que temos visto é um Parque Antartica, um Maracanã de decepção.

Onde estão as grandes virtudes desses muitos times que seguem na disputa pelo título? Não é simples descrevê-las tampouco encontrá-las. Fosse esse campeonato um livro, as lambanças protagonizadas pelo STJD, e por alguns juízes, provavelmente, o impediriam de se tornar uma obra-prima.

Ah! Outro bom exemplo me ocorre agora. Aposto que você, um dia, assistiu a um filme bom, nada além disso, mas ao se deparar com um final de tirar o fôlego deixou a sala de cinema entusiasmado, pra lá de satisfeito com a experiência. Então, pra mim, é por aí.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Agruras

Permitam-me dividir agruras com vocês. Sim, agruras. Pode soar estranho. Mas é sincero. Escrever não é o problema. A gente acostuma, treina, transpira, como já ensinava o poetinha, e a coisa flui. Difícil é se entregar a um tema. E, sabe como é, sem entrega a vida não é nada, a coisa não vira.

Por exemplo, dias atrás quando li que o muçulmano Qatar, pra sediar uma Copa do Mundo toparia até dar um drible no alcorão, liberar bebidas alcoólicas, e ainda por cima reconhecer Israel, meio estupefato, tive a nítida sensação de ter descoberto um bom tema para tricotar o meu próximo artigo.

Uma vez ciente dessa capacidade fenomenal da pelada bem organizada pensei em sugerir que fizéssemos de Joseph Blatter, o todo-poderoso da FIFA, o presidente do mundo. Assim ele negociava um mundial com o Irã e, em troca o Mahmoud Ahmadinejah - que em breve vai pintar na nossa área - parava de vez com essa sandice de querer fabricar uma bomba atômica. Diria que com uma boa lábia o homem talvez até voltasse atrás e reconhecesse que o holocausto existiu.

E mais, Blatter poderia amansar a Coréia do Norte, com o argumento de que deixar a bola rolar por lá, isso sim seria fazer o mundo reconhecê-la como potência. E depois, de quebra, convencia o Hugo Chavez de que essa coisa de afrontar os ianques e gastar dinheiro com uma corrida armamentista cucaracha não está com nada. Sediar a Copa de 2026 é que faria dele um grande líder. Calma, calma, era só uma idéia, passou. E depois dessa, muitas outras surgiram, me cutucaram, mas aí veio o final de semana com um sem número de jogos decisivos pelo Campeonato Brasileiro, e eu fiquei dividido.

Recuso, de maneira veemente, qualquer discurso que sugira um final pra essas trinta e oito rodadas. Do Flamengo, enalteci Petcovik, sob a desconfiança de muitos, mas devo dizer que cheguei a dizer que não tinha mais jeito, que o título não ficaria com o rubro-negro carioca.

Com discrição apontei Celso Roth como o melhor treinador dessa edição do Brasileirão, quando o Galo insistia em mostrar bom fôlego. Contestei o argumento de um amigo jornalista que dizia que esse tipo de reconhecimento só viria com o título. Então, fiz questão de deixar claro que não queria entrar nesse jogo injusto que faz um bom trabalho depender de uma taça. Teve muita gente que concordou comigo naquele instante. Mas não é que, a partir dali, o Atlético Mineiro começou a descer a ladeira?

E o Palmeiras, que fez de tudo pra perder a condição de protagonista, a essa hora, seja qual for o resultado diante do Grêmio, já não será o Palmeiras de antes, que ostentava bom crédito e mérito. De todas as minhas apostas, o Cruzeiro talvez seja a única que, apesar de tudo, permanece em pé.

No mais, sou capaz de afirmar apenas que o duelo entre Corinthians e Flamengo no próximo dia 29 de novembro ainda vai dar muito o que falar. Mas, até que combinou, não acham? Porque se a gente reparar bem esse Brasileirão tem vivido mais de agruras do que de deleites, e com essa bola pingando na área, porque não aproveitar e destilar as minhas?

Sobre quem será o campeão, isso seria lugar comum demais. Eles é que façam a parte deles. Torço pra seja com inspiração, porque de transpiração já estamos todos fartos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Crer ou não Crer ? Eis a questão!

Não foram as palavras duras, a acusação de hipócrita, o destempero, as promessas de tapa na cara, que me soaram dignas de registro, e sim uma frase proferida pelo presidente do Palmeiras na última segunda-feira, quando a entrevista concedida por ele no Centro de Treinamento do clube já estava perto de terminar. Disse o mandatário, com o rosto repleto de indignação:

" Os clubes precisam se dar conta de que podem cair numa situação de descrédito"

Creio que é disso que se trata. O que importa é o preço que o futebol terá de pagar pelo ocorrido. Não que a instituição goze de reputação ilibada. Muito pelo contrário. A instituição vem deixando ao longo do caminho um extenso rastro de calotes e negociatas.

Os campos estão todos cercados de interesses, de cifras, de apostas. Coisas das quais se ouve muito pouco. Fingimos que as linhas de cal desenhadas na grama são capazes de evitar que tudo isso transborde e contamine o jogo. Além do mais, não há como operar o Palmeiras sem operar o futebol brasileiro. Ou há?

O tempo, mais do que acalmar os ânimos, será a redenção dos culpados. O tempo os fará parecidos com os inocentes. Por sua importância e condição, o lamento palmeirense ecoa monumental, inunda os cadernos de esporte. Mas tá assim de clube por aí cheio de razão pra reclamar também. Não há nada de novo nessa balbúrdia. Belluzzo, disse mais:

" notando acontecimentos muito estranhos"

Só que acontecimentos estranhos sempre povoaram a história do futebol brasileiro e mundial. A história do senhor Carlos Eugênio Simon, então, nem se fala. Novo seria chegar a soluções. Fazer propostas. Aprová-las. Faz tempo que vejo especialistas tentar explicar erros de arbitragem creditando-os a uma certa sintonia com a política estabelecida. O lamentável argumento deixa no ar a possibilidade de que esse tipo de atitude possa conviver com a idoneidade, quando não pode.

É hora de minar esse jogo político que a tudo infesta. Que tal permitir, através de voto, que os clubes da primeira divisão elejam o melhor árbitro do país? E que tal permitir que esse eleito seja o nosso representante na Copa do Mundo? Não que não seja interessante, não é? Mas a quem interessa?

As palavras do passional Belluzzo podem não passar de um desabafo, mas podem ser uma pista. Pena que eu " não sou um super-homem " e ele também não. A hora é tão propícia.

" Há mais do que aviões de carreira no ar, como dizia o Barão de Itararé", insistiu o presidente.

E ter que considerar a hipótese de que os homens encaixaram um teatro mal feito onde antes existia uma pura arte, é triste, muito triste.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Futebol e novela

Sem essa de que mulher não gosta de futebol e homem detesta novela. Estamos todos cansados de saber que o mundo é outro e que a cada dia que passa fica mais difícil definir qualquer coisa. Tudo agora é uma questão de tempo.

O mais clássico dos clichês não será capaz de resistir a corrosiva modernidade que se apresenta. E, embora já exista muito marmanjo por aí se confessando impressionado com as atuações da Lílian Cabral durante o horário nobre, o futebol continua sendo a nossa "novela" preferida.

Que cada um faça como quiser. "Viver a vida" é mesmo um título sugestivo.

Enquanto escrevo este artigo, observo de longe o time feminino que me cerca. Está todo lá na sala, de olhos grudados na telinha, consternado e insatisfeito com o que assiste. Imagino que deva estar sentindo algo muito parecido com o que sentiram os que aguardaram ansiosamente o embate entre São Paulo e Inter uma semana atrás.

Tudo bem que não é só o futebol que tira nossas mulheres do sério. É a profunda filosofia que se estabelece por tudo, pelo impedimento, pela canelada, pelo erro do árbitro. Sem falar nas análises intermináveis e na horda de comentaristas rudes que teima em gritar na sala.

Aí elas entortam o nariz pra nós, como se não fosse trash esperar dias pelo momento em que uma das personagens do folhetim ficará paraplégica. É! Tenho sacado essa história no ar faz tempo. Já sei o que vocês estão pensando. Entendam. É que pra traçar esse paralelo precisei reparar no que se passa. Mas ouso jurar que não se tratou nem de uma considerável espiadinha.

Pra resumir, o que está acontecendo é simples, é como diz o verso do tema de abertura, "tem dias que eu fico pensando na vida". Mas avise aí em casa que elas não precisam se preocupar, porque se por um lado os nossos capítulos têm noventa minutos mais o intervalo - e às vezes a gente teima em assistir uns quatro, cinco, por dia - por outro lado nossa novela está perto do fim. E como está boa, hein?

Só não entendi direito porque é que o mocinho do Brasileirão resolveu levar o vilão pra dentro da concentração. Vai entender a cabeça desses roteiristas. Mas se anda tudo embolado, indefinido, e você está pra lá de entretido, tudo bem, só não pense que somos nós que estamos por cima. Nada disso. Acho bom rever seus conceitos. Esses ao menos. Todos seria um trabalho em vão.

Elas é que estão por cima, estão na crista da onda. A novela delas tem cenas em Paris, tem as formas da Aline Moraes, e a nossa as formas do Ronaldo, do Dentinho. Bom, também não dá pra querer ganhar todas. Levamos um drible e nem percebemos. Ou você não se deu conta?

Há tempos fomos rebaixados.

É a tal modernidade corrosiva que citei no início. É delas o horário nobre, senhores. Inteirinho. A nossa novela só pode começar depois que a delas termina. E vai mexer pra ver. Talvez seja por isso que quando a novela delas acaba um outro refrão fica rondando minha cabeça feito provocação. Falo daquele que diz, " ... sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão".

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A euforia das possibilidades

Tramei estas linhas antes que o início da trigésima segunda rodada agitasse a noite de ontem. Mas o mundo não parou por causa disso. Quando seus olhos passearem pelas minhas palavras o Campeonato Brasileiro poderá ter, inclusive, um outro líder.

Não se trata de uma previsão, entendam. Sempre fui cheio de receio com elas e, diante do que tenho visto, quando o assunto é esse, tento o drible. Vou além, começo a considerar a hipótese de estarmos vivendo um castigo imposto pelo Deus do futebol, cansado de ter que aturar tanto pragmatismo, tanta lógica. Duvido que haja a essa altura um comentarista invicto. O sobrenatural derrubou todos nós.

Em algum momento desta temporada, um a um, tivemos nossas teorias demolidas por uma realidade qualquer que se desenhou no gramado. Alguém abriu a tal caixinha de surpresas, só pode ser. Uma coisa lhes digo, é preciso aproveitar o presente porque o futuro pode ser menos rico de possibilidades. Não dá pra esperar que a gente chegue à ultima rodada assim, com essa invejável riqueza de candidatos ao caneco.

Temos feito verdadeiras odes ao momento vivido pelo Brasileirão, com razão. Instigados, destilamos infinitas possibilidades, pesquisamos e confrontamos números e mais números, como se pudessemos prever a vida, antecipar o desfecho, entender tudo. Santa e apaixonada pretensão. Sinto-me na obrigação de alardear o óbvio, fazer atentar para o mais provável.

Estamos no auge. No ponto chave. É como se fosse uma nobre conjugação dos astros. Um período raro. Um alinhamento que engrandece a vitória. Algo poucas vezes visto. E esse equilíbrio estampado na tabela, a seis rodadas do fim, sugere, oferece, um grande prazer.
As últimas garfadas de um bom prato, os últimos goles de um grande vinho, e todas as outras besteiras que vocês possam pensar, não têm seu melhor momento exatamente quando acabam. Os defensores do mata-mata podem até fazer disso um argumento.

Sejamos pragmáticos pra viver também.

Se você permanece entre os que podem se divertir pensando que seu time será campeão, aproveite. Dentro de algumas rodadas a história tem tudo pra ser outra. A hora é essa. Torça, reúna os amigos, porque a exatidão da matemática não deixará a mínima dúvida se tiver que acabar com a brincadeira. E, pior, não mandará recado. No final tudo será mais sóbrio, mais resumido, terá quase a ênfase de um decreto. Restará um campeão, os classificados para a América.

Neste momento temos muito mais do que isso. Temos uma multidão de torcedores multicoloridos alimentando essa imensa roda de ilusão. Ao final, restará apenas a festa de alguns. Mas se estamos sujeitos as penitências desse senhor que tudo pode no universo ludopédico, podemos pedir uma benção também.

Meus amigos, não seria má idéia clamar para que um juiz mal intencionado, ou um bandeirinha desatento e despreparado, não venha cortar o nosso barato, por mais que isso soe como um milagre e não como uma benção. É hora de curtir. A maioria pode não ter essa chance depois.