sábado, 26 de setembro de 2009

É pra rir ou pra chorar ?

Senhores, o grande dia vem aí. Não exatamente pra nós, comuns. Mas creiam, neste momento, um time seleto, formado por figuras conhecidíssimas e manjadas, esfrega as mãos de modo frenético, e não vê a hora de saber o resultado do pleito a ser realizado na Dinamarca no próximo dia dois de outubro.
Será lá, em Copenhage, que os membros do Comitê Olímpico Internacional decidirão pra quem darão a honra de sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Não se desesperem, podem tomar o chopp do final de semana, fazer a caminhada diária, tirar um tempo pra terminar aquela prazerosa leitura inacabada, ou sair pra comprar um agrado pros filhos ou pra patroa, que ainda temos alguns dias pra viver sem ter assumido tamanha responsabilidade, tamanho papagaio.
Escrevo com certa antecedência de propósito, pra lembrar que ainda valem rezas, mandingas e figas pra que alguém de bom senso cruze nosso caminho. Como por aqui anda tão difícil, quem sabe por lá.
Tudo bem que a empreitada já levou muitos milhões de reais do nosso cofre. O trem está andando. Ainda assim seria bom parar por aí, podes crer. Antes que os milhões virem bilhões. Sentindo os músculos do pescoço tensos, volto a reforçar minha teoria. Esse negócio de sediar Copa, Olimpíada, devia é ser decidido num plebiscito, afinal, a grana é nossa. Basta de decisões entregues nas mãos de alguns, sempre solícitos a responder por todos. Sabemos bem no que isso acaba dando.
Em meio ao oba-oba, a Prefeitura do Rio, que junto com o governo do Estado já havia colocado nove milhões de reais na brincadeira, dias atrás liberou, sem licitação, mais três milhões e meio de reais aos organizadores da Rio-2016. Fortuna que será gasta nos dias anteriores à votação, que terá a presença de Lula e do Rei Juan Carlos, da Espanha, o do "Por que no te calas?", lembra? Os dois, aliás, prometem unir forças, se for o caso.
Eufóricos, os envolvidos pensam em espalhar shows e telões pela orla carioca no dia decisivo. Tudo soa cínico. Falam de um Rio de Janeiro seguro. Querem que a gente ignore a realidade que nos cerca e ameaça. E não é o Rio, é o Brasil, até nas suas cidades mais tranquilas e pacatas, que está de mãos pra cima, ao alto, rendido.
Só podem estar curtindo com a nossa cara ao dizer que a candidatura tupiniquim peca na infraestrutura mas é superior nas garantias dadas por todas as esferas de governo. Em outras palavras, somos bons em bancar orçamentos mal calculados, estourados. Nisso é bem possível que sejamos recordistas mundiais. Piada, piada.
Imagine só. Um sujeito se aproxima de você e fala, você conhece a da Olimpíada na América do Sul? Convenhamos, é um bom começo. Quer dizer... Na sequência, se for bom piadista, poderia emendar a da FIFA com seu "fair-play econômico", pedindo aos compradores e vendedores de atletas milionários que preencham fichas com todas as infrormações sobre a transação pra ver se elas batem umas com as outras. Melhor que essa só a dos bingos, que agora terão controle absoluto e ajudarão o esporte de verdade.
Meus Caros, estamos prestes a acordar incluídos nessa festa de gala, nesse passo gigantesco rumo ao tão falado país do futuro. Só não sei se é pra rir ou pra chorar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Depois da chuva, com a saudade

Dias atrás, passada uma dessas chuvas torrenciais que andaram sendo notícia por aí, tomei o rumo da beira-mar. E como é de se esperar em ocasiões assim, lá chegando vislumbrei uma praia quase deserta. Na ausência do sol são poucos os que se interessam por ela.

Atravessei os canteiros do jardim com ar incabado do lugar e, antes que pudesse chegar mais próximo da areia, deixei que meus olhos, sempre prontos para alimentar saudades, passeassem pelas imagens do velho campo do Itararé.

Um campo humilde, com a escassez de grama sugerindo um desenho cônico de cada lado. A terra, ali transformada em lama, estava exposta e limitada por linhas que começavam perto da intermediária e se abriam até encontrar as traves, evidenciando o espaço mais castigado pelas peladas. Nas laterais onde, ao contrário, a grama pouco pisada permitia que o gramado quase virasse mato, pousavam alguns pardais abusados como eu, ignorando a possibilidade de uma nova tempestade.

Por todos os lados, espalhadas estavam, imensas poças de água, refletindo fragmentos de paisagens daquele início de tarde. Apreciava uma delas em especial, que trazia no espelho de suas águas uma rara fresta azul de céu, quando vi. Uma faixa branca com letras em preto tinha sido colocada bem no alto do alambrado que fica atrás de uma das traves. Nela pude ler: Araquem/ Fique com Deus /Sentiremos saudades/Dos seus eternos amigos do Itararé.

Não, não sei de quem se trata. Ainda assim, fui tomado no mesmo instante por uma reverência sem tamanho. Há tantos lugares para se homenagear um amigo que se vai. A porta da casa, do trabalho, a igreja. Mas ao que tudo indica, para o Araquem, ela faria mais sentido ali. Ou só ali. Não consegui parar de pensar. Tive ainda mais certeza de que os campos ficam mesmo com uma parte da gente. Como ficam todos os lugares que nos permitem viver de maneira intensa.

O calendário já ia além do domingo. Não havia torcida, juiz, peladeiros, nada. Mas a faixa dava sentido à toda aquela quietude, preenchia tudo de sentido. Por certo, haverá um vazio maior que todos os outros quando os amigos do Araquem olharem para o lugar que ele ocupava nessa imensa brincadeira da bola e da vida. Seja ele a lateral, a zaga, o meio, o banco de reservas, seja o que for.

Lembrei do dia já distante em que cheguei naquele mesmo campo, levado pelo meu pai, para tentar um lugar no gol do time de garotos do rubro-negro Itararé. Me perdi imaginando de quantas lembranças aquele pedaço de chão foi cenário. Ainda que nem o pedaço de chão seja exatamente o mesmo. É que se a memória não me trai, nos meus tempos de menino o campo ficava paralelo à faixa de areia, e não na diagonal como está agora.

Também não havia alambrado onde uma faixa pudesse ser estendida. O velho campo do Itararé antigamente tinha uma charmosa cerca de madeira baixa lhe rodeando, como tantos outros. Era a altura certa para encaixar os braços entre as ripas vermelhas e negras e ficar cara a cara com o campo. Nada emoldurava nossa visão. E era sempre agradável poder ver um jogo de várzea, bem de perto, e aos pés do oceano atlântico.

Ao menos o alambrado serviu para ostentar a nobre homenagem, e deixá-la pairar numa altura em que, de longe, parecia fixada lado a lado com as nuvens. E me chamou a atenção o fato da frase "Sentiremos saudades" ter sido escrita com letras maiores do que as outras, só perdendo em tamanho para o nome do homenageado. Sem querer, se fez justiça a esse sentimento de difícil tradução, porque a saudade quando pinta na área deixa no ar a nítida impressão de ser maior do que tudo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Interesses, e ponto !

No início desta semana o secretário-geral da FIFA, o senhor Jérome Valcke, melindrou os dirigentes do São Paulo ao afirmar que o Morumbi não tem condições de abrigar o jogo de abertura da futura Copa de 2014. Foi durante um evento em Joanesburgo, na África do Sul, sede do Mundial do ano que vem.

Não demorou muito para que o presidente do tricolor paulista classificasse como sandice o parecer do secretário. O ocorrido evidencia o óbvio. Tudo depende do ponto de vista.

Não dá pra negar que o Morumbi esteja, hoje, muitos anos à frente da maioria dos estádios do país. Não dá pra negar também, que isso, infelizmente, é muito pouco diante daquilo que a entidade máxima do futebol mundial exige de quem se dispõe a abrigar momento tão solene.

Valke foi além, disse que ali não só a abertura é inviável como qualquer jogo decisivo, seja ele uma semifinal, uma final ou até mesmo uma menos honrosa disputa de terceiro lugar. Alvejou o projeto tricolor por todos os lados. Pode até ter exagerado, mas ao dizer que " está na hora de o Brasil começar a trabalhar", emitiu um parecer preciso, e que extrapola o futebol.

Seria bom que alguns dos nossos homens públicos aceitassem a sugestão. Infelizmente, o secretário jamais entenderá a complexidade de tudo isso. Eu sei, aí também já é pedir demais. Somos um país meio surreal e, vai que eles acatam a idéia. Acabaríamos tendo como guru um cartola da FIFA. A coisa ficaria ainda mais surreal.

Os de espírito apaziguador dirão que é preciso dar um desconto para esses nobres acostumados ao cotidiano da Suiça e tudo o mais. Mas a nota emitida pelo São Paulo traz uma boa idéia. Sugere que Jérome Valke " venha, assim que entender conveniente, visitar a cidade de São Paulo". Uma vez aqui, quem sabe, ele não aceite nossa realidade tão singular, e mude de opinião.

Difícil é acreditar que ele não saiba o que se passa por essas bandas, que a lógica por aqui seja outra, porque Valke também foi duro com Danny Jordaan, diretor-executivo da Copa da África e candidato a presidente da Federação Sul-Africana de Futebol, dizendo que um homem da FIFA não senta em duas cadeiras, e que terá que escolher.

Mas ao ser lembrado que a situação do presidente da CBF é similar, afinal, Ricardo teixeira também é o presidente do Comitê Organizador da Copa de 2014, sentenciou que se trata de um caso diferente porque Teixeira já está eleito.

Disputas políticas e de bastidores à parte, eu vos digo: Senhores, um ponto de vista é, antes de tudo, um ponto de interesse. Vejam!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um duelo. O duelo.

Não se trata de paixão. A palavra soa até deslocada num artigo que tem a intenção de falar sobre o duelo entre Brasil e Argentina. Tanto que, ao abandonar o raciocínio que me chega para reler a primeira frase escrita aqui, ao passar os olhos por ela, intuo olhares atravessados me desafiando, semblantes de pouco caso à espreita. Não importa.

O respeitável e sempre aguardado embate sulamericano não é um encontro de apaixonados, mas transborda uma rara química. Aquela que faz alguém ou algo diferente de todo o resto. Lembro muito bem da Copa de 1982. Há muita gente por aí com mais cabelos brancos do que eu, e que pôde ver em campo outros "Brasis", e por isso se sentir e se julgar, com razão, mais afortunada do que eu e os da minha geração. O fato é que aquele bendito mundial me pegou justamente no momento que costuma ser classificado como o momento em que estamos nos entendendo por gente, sabe? E ali eu saquei tudo.

Tínhamos batido a União Soviética no finalzinho, despachado a Escócia com um placar de quatro a um, goleado a Nova Zelândia. Mas cruzar com a argentina impunha outra dimensão ao ato de torcer. E não só pelo fato de não se tratar mais da primeira fase. Hoje sei que só uma coisa poderia ter sido mais terrível que os gols de Paolo Rossi. Ter sido jogado pra fora daquele sonho por gols de Maradona ou Kempes.

Mas tínhamos Zico, Serginho, Júnior, e eu pude, cercado de amigos, ainda um tanto inocentes, descobrir o prazer de uma vitória sobre a Argentina. Caramba, preciso agradecer o Chulapa por isso. Aquela partida é, pra mim, a expressão máxima de arte e rivalidade.

Não essa rivalidade rasa, normalmente confundida com entradas desleais e pontapés. Não essa rivalidade forçada que irá temperar as manchetes antes e depois que Brasil e Argentina voltarem a se enfrentar. Falo da rivalidade como uma oportunidade de triunfar sobre alguém que você reconhece como dono de uma técnica refinada.

E acredito que está aí o que torna esse confronto tão importante pra nós. Diante de um jogo com os argentinos sabemos que só uma coisa evitará o desgostoso ato de sair de campo como derrotado. Se aproximar da perfeição. Ter atitude, estar ligado, tratar a bola com dignidade. Sem isso, ou um pouco disso, é possível ganhar de muita seleção por aí.

Mas a Argentina é outra história. E eles, por sua vez, podem fazer o que for, podem tentar nos cozinhar no caldeirão de Rosário, podem tentar nos convencer de que a vitória, mais do que nunca, é uma questão de vida ou morte. De honra sempre será. Ainda assim, no fundo, estarão transbordando respeito, vontade de um dia poder desfilar pelo mundo a imponência de cinco títulos mundiais, como nós.

Se fosse questão de vingança devíamos é correr atrás dos uruguaios que nos tatuaram na alma ludopédica o infausto Maracanazo. Estranho é perceber que nesses dias, Don Diego, o mais passional dos boleiros argentinos - que nunca escondeu a admiração por esse nosso jeito verde e amarelo de jogar bola - é o mais incompreendido.

Maradona está cansado de saber que jamais será capaz de tirar Pelé do trono, ainda mais aos gritos. Mas sabe que o futebol é repleto de artifícios, e não abre mão do seu jeito. E isso é uma das virtudes que enxergo nele. Está dito. E que revelem seu semblante de pouco caso os que não são capazes de perdoar certos defeitos.