quinta-feira, 30 de abril de 2009

Uma verdade sobre as derrotas

Não se desespere. Tudo não passa de um jogo de bola.

Ainda que não se trate de algo prazeroso, veja, enxergamos nosso time mais claramente na derrota. O gol sofrido de maneira incontestável nos rouba o vôo da imaginação, e nos traz de modo repentino ao chão, para que ele triunfe sobre nosso ar disfarçadamente esnobe.

Um placar adverso sempre invoca o silêncio.

E, sem poder se misturar com a balbúrdia da torcida que delira com a bola que acaba de se chocar com a rede, deixa de ser tarefa simples acreditar na virada. Nada mais introspectivo do que aquela gelada fração de segundo que vem logo depois do gol adversário.

E quando são vários, é terrível, até porque a alma de qualquer ressaca é o excesso.

Atleticanos, santistas!
Extremistas, desencanados, lunáticos, moralistas, apaixonados desse meu Brasil!
Uma derrota ludopédica jamais será tão grave quanto uma ausência de vitória no mundo real.
Sei que é dor que vai na alma, e que reverbera no corpo.

Deixa cicatriz, provoca azia, embrulha o estômago.

Sei que depois daquele tento adversário já não havia mais como suportar as meias palavras de um comentarista comedido, profetizando que os vários gols perdidos poderiam fazer falta no jogo de volta. Nada disso. O torcedor que fica cara a cara com a derrota tem a quase certeza de que eles vão é inviabilizar o título, a alegria, vão colocar tudo a perder, literalmente.

A derrota que se desenha entre as quatro linhas é assim, faz o sujeito digerir rápido a crueldade dos dias, faz descobrir que o mundo, ou melhor, o time, infelizmente, não é como ele gostaria.

Já a vitória ilude.

Faz a gente pensar que aquele lateral não é o tal, mas pode estar iluminado um dia. E que aquele volante, cuja categoria não lhe permite ir muito além do toque pro lado, de repente, pode ser capaz de se transformar num semi-craque, contagiado pela importância do momento.
E mais, tomado pelo encantamento da vitória chegamos, sem perceber na maioria das vezes, a pensar que o fato do homem do ataque não conseguir nem mesmo se livrar do impedimento é algo superável.

Ilusão, ilusão torcida, que atrai a desilusão pro campo dos nossos sentimentos.

Junto com o triunfo, inevitável, vem a euforia, traiçoeira, driblar a razão. Uma vez nas veias, faz o descrente apostar que tudo pode ser resolvido com uma dose extra de raça. É doce esse delírio provocado por vitórias, em especial pelas repentinas e inesperadas. É doce, mas passa.

No fundo, no fundo, o único consolo pra quem se deixa enganar, pra quem recebe o tapa reservado àqueles que não tiveram nem o mísero direito ao empate, é sacar que vencidos e vencedores, integram, sem querer, um mesmo time. Cumprem penas semelhantes, divididos entre dor e prazer, já que é impossível ficar pra sempre de um lado só nesse jogo.

Os que tiveram a rede violada pelas bolas adversárias sabem muito bem que não ter o que comemorar é castigo cruel. Sem remédio.

Não há retranca que cure, não a sorte que dê jeito,
nem zagueiro que seja capaz de espantar o perigo.

Se o mundo não é feito só com o que há de melhor, por que o futebol seria?

O silêncio nas Perdizes

Durou até os 42 do segundo tempo.
Se você ainda não viu o gol de Cleiton Xavier, saiba que se a noite teve um herói, foi ele.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fé Futebol Clube

Um dos donos da casa, de tão fanático, estava indignado até com a nada tradicional meia cinza do time santista. Mal sabia ele que estavam lá por pura superstição. Nenhum detalhe podia ser desprezado. O outro trajava óculos escuros, do tipo "ambervision" e, atento a tudo, já havia providenciado o cenário ideal.

Na lateral da sala, além da TV, uma cadeira ao lado, e sobre ela uma camisa do Santos. Diante da chegada de um novo convidado, bradou:

_ Na cadeira, não! Sentar em cadeira...já viu!

Mas orientou o recém-chegado:

_ Põe a camisa aí na cadeira

E o fez com precisão:

_ Mais pro lado, mais perto da televisão.

Então, o cenário ficou assim:
A tela de 40" e uma cadeira com uma camisa sobre ela de cada lado. Praticamente uma linha de três, disposta a barrar os maus fluidos.


E a Bina, de oitenta e seis anos, sozinha lá no quarto. Por quê? Ora, porque ela prefere assim... porque tem que ser assim. Mas quando o juiz apitou o final da partida logo a pintou na sala. Trajava uma clássica camisa branca do Peixe. Só o símbolo em destaque no peito ousava quebrar a brancura do manto.

Descreveu minuciosamente o ritual praticado durante o duelo com o adversário. Braços cruzados, uma das mãos em figa, e a outra desenhando no antebraço um movimento de vai e vem, que era pra empurrar a bola pra rede.

Depois de dois gols, um frango, um teatro do absurdo - estrelado por Diego Souza e Domingos - e cinco minutos de acréscimo, a alegria imperava. Bina, veio pra dar a benção final, em grande estilo. Fundamental não tinha sido o Madson e seus pulmões de aço. Fundamental tinha sido a imagem de Nossa Senhora das Graças que fica no quarto do Léo, o neto do meio, nosso anfitrião.

Foi isso, Bina entrou na sala e intimou. Fez todo mundo dar as mãos e rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Não ia deixar barato aquilo tudo. Uniu o grupo. Empolgou. Decretou de vez a festa. Simbolizou tudo o que não aparece na súmula, muito menos nas estatísticas, tampouco no discurso dos comentaristas. Mas é parte do futebol. Uma cena triunfante.

E quando a reza já passava da metade, ao desviar os olhos para a TV, vi o time santista, ainda em campo, protagonizando cena idêntica. Todos de mãos dadas, em círculo, falando em voz alta as santas orações. Terminamos um pouco antes.

Pensa o quê? Bina foi rápida pra convocar o grupo depois de terminada a peleja. E ainda falam que o time do Mancini é que é veloz.

Olha, se ganha quem tem mais fé, isso eu não sei. Mas deixa essa cadeira aí! E tira as mãos dos óculos do cara!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Um vitorioso sensível

" Estou um pouco embaraçado para comemorá-la"

A frase é do tenista Stanilas Wawrinka ao comentar a vitória sobre o compatriota Roger Federer no Masters de Montecarlo. Juntos, Wawrinka e Federer conquistaram o ouro olímpico em Pequim.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Vivendo e aprendendo

O futebol poderia ser puro, mas não é. Ou talvez a tendência à crueldade seja só a parte escura de sua alma, e essa nossa mania de enxergá-lo com certo frescor poético, sem querer, embaralha tudo.

Qualquer um tem o direito de achar que as coisas correram bem nas semifinais do Campeonato Paulista. As câmeras de TV, sempre atentas - pra não dizer sedentas - não registraram cenas de violência. O que, infelizmente, não significa que elas não existiram.

Mas não pense que tamanha encrenca, tamanha violência, tenha sido resolvida porque um homem da lei teve a brilhante idéia de reduzir o número de entradas do time visitante a um número mínimo, capaz de impedir os descontentes de afirmar que batemos no fundo do poço e fomos obrigados a nos render aos jogos de uma torcida só.

Sábado ouvi no rádio que os torcedores que não tivessem ingressos não poderiam chegar perto da Vila Belmiro. No caminho até lá, não fui abordado e fiquei com a sensação de que a polícia deve ter optado por uma triagem telepática. Causar efeito é uma coisa, ser eficiente, outra.

O fato é que nunca o time visitante foi tão representado por seus torcedores organizados. Ou alguém duvida disso? Integrante das organizadas só fica sem ingresso se quiser. Ou se der bobeira. Muito diferente do torcedor comum.

Essa nova realidade pode ter potencializado o gesto obsceno de Cristian depois do gol da virada. Um gesto que, diga-se de passagem, só pode ser devidamente interpretado por quem está por dentro da linguagem dura dos que têm necessidade de torcer em bando.

Cristian se superou. Ao dar mais importância ao mau, do que ao bom torcedor, roubou parte do brilho da própria obra-prima. Duvido que de agora em diante o camisa seis do Corinthians insista na comemoração provocativa. Não sei se vocês lembram. Tempos atrás o garoto Keirrison, depois de marcar um gol, simulou ter uma arma nas mãos. Saiu disparando e sofreu com a artilharia pesada da crônica esportiva, indignada com a postura de matador encenada por ele.

A vida está aí pra ensinar, Cristian.

Outro camisa nove, Ronaldo, também esteve sob a mira. Foi depois de fazer de André Dias seu alvo. Rodado o suficiente, o fenômeno sacou há tempos que podia fazer da sua importância um escudo. Tem explorado com muita maestria e pouca lealdade a falta de critério e de coragem dos nossos árbitros.

Baixou o sarrafo no zagueiro do São Paulo e pelo visto conseguiu tirá-lo do prumo. De repente, André Dias, tão preciso em outras partidas... ficou vulnerável. Amargou uma bola entre as pernas, precisou usar a força para evitar um drible malicioso. Acabou expulso.

Perto do acontecido no Pacaembu o jogo da Vila teve ar ingênuo. As entradas viris de Diego Souza e as tentativas de intimidar o garoto Neymar estiveram longe de causar irritação parecida. Luxemburgo, esperto, chegou a sugerir até que as pessoas não deviam se melindrar tanto com os ataques ao xodó santista.

Resta esperar que as partidas de volta sejam mais um tributo ao futebol do que provocação barata. E que na hora se emocionar nossos jogadores lembrem mais da boa torcida do que das organizadas.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Teorias

Olha, eu sei que você também deve ter a sua. Mas eu estou aqui é pra defender a minha. Aliás, a minha não! As minhas. Afinal, quem gosta de futebol jamais se contenta em ter apenas uma. O que explica porque elas são tão abundantes no reino da bola.

Por exemplo, enquanto todo mundo anda eufórico com o fato de o Campeonato Paulista, quase uma década depois, voltar a ter nas semifinais os quatro grandes, eu acho que o acontecido pode ser um sinal de que nem mesmo no Estado mais rico da nação o futebol do interior conseguiu resistir e, a partir de agora, essa condição pode deixar ainda mais sem graça tão glorioso e centenário torneio.

Não me leve a mal. Não tenho a mínima intenção de revelar aqui o meu lado ranzinza, ainda mais numa quinta-feira que já prepara sua alma e seu corpo para o descompromisso de um feriado. Feriado que só não será melhor porque com as semifinais cirurgicamente divididas entre a TV aberta e a fechada, restará ao torcedor comum de Santos e Palmeiras bolar uma estratégia qualquer capaz de colocá-lo frente a frente com as imagens de uma tv alheia.

Outra coisa, tem gente por aí dizendo que o Ronaldo vive grande fase. Minha teoria é outra. Não acredito que "grande" seja a palavra mais justa para uma sequência de meia dúzia de jogos. Agora que o Ronaldo voltou bem, isso voltou. Pode ser decisivo? Pode. Como dizer o que me faz acreditar nisso exigiria uma nova teoria, irei poupá-los.

Ah! Lembrei de outra! Se o Palmeiras vencer o Sport ficará empolgado com a Libertadores e não focará o estadual, o que ajudaria o Santos. Discordo. Encarar time empolgado é sempre um problema, venha de onde vier a empolgação.

Mas seja lá qual for o enredo que levará os semifinalistas paulistas ao gramado no final de semana, uma coisa é certa: cada um deles enxerga o estadual de um jeito. De repente, se ouvisse de um jogador qualquer do tricolor que ser campeão paulista é bacana, mas dispensável, seria capaz de acreditar. Só não seria capaz de acreditar que ser eliminado pelo Corinthians, em tempos nada amistosos, não causaria um tremendo mal estar.

Já para os corintianos, mais importante do que eliminar o São Paulo no Morumbi talvez seja se impor diante dos seus rivais mais próximos para deixar claro que Série B é coisa do passado.

O Palmeiras, é caso diferente, gastou muito, bolou projetos grandiosos, se envaideceu, e inflamou a torcida com um bom futebol que por hora não empolga como antes. Logo, mesmo que triunfe não estará livre de olhares insatisfeitos, nem de ouvir por aí um "só isso?".

O Santos, não. Assim como o Corinthians, o time da Vila Belmiro terá verdadeiros dividendos se ficar com a taça. Além do prestígio de comandar uma festa de gala, terá alcançado um triunfo marcado por uma boa dose de superação, o que não é pouco para quem tem vivido a incômoda vertigem dos altos e baixos.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Um olhar sobre o goleiro

Dias atrás a confissão do goleiro da seleção brasileira, Júlio César, de que em outros tempos “tinha medo do gol” me fez viajar no tempo. Fui jogador humilde. Moleque, jamais briguei por um lugar no ataque. Nunca me dei o direito de não voltar pra ajudar a defesa. Consciente de que iria satisfazer melhor a expectativa dos amigos se jogasse perto da área, ajudando a espantar o perigo.

Às vezes não resistia à tentação de avançar em direção ao gol, amparado na crença de que mesmo o maior perna-de-pau tem direito a um lance de sorte.

E na única vez que tentei fazer parte de um time de verdade foi para encarar a ingrata missão de defender a meta. Não foi por acaso. Há tempos ensaiava pontes magníficas nas peladas. E as ensaiava com a vontade e a determinação de um camicase, principalmente nos momentos em que os duelos eram travados na espaçosa garagem do prédio em que morávamos. O chão duro poderia ser um castigo a mais, poderia. Mas realidade e sonho se fundiam, e a ilusão de que estávamos sobre um gramado vencia a dor de jogar no azulejo bruto. Meus cotovelos viviam constantemente inchados por causa dessa ilusão.

Depois de cada bola interceptada lá no alto vinha uma breve narração para saudar um ídolo da posição:
_ Maaangaaaa!


De repente, as palavras de Júlio César me fizeram lembrar muito bem que para estar lá é preciso mesmo vencer o medo. Recordo que muitos na hora de assumir o posto, em geral depois de um par ou ímpar - ou de uma intimada mesmo - não resistiam e avisavam, em tom de súplica:
_ Não vale bicão! - que significava encher o pé. Carimbar o coitado embaixo da trave.

Sabíamos todos que, ao contrário das outras posições, usar toda a força era uma bela arma contra os arqueiros. Apesar disso há, ali naquele lugar, um prazer que só descobrem os que aceitam essa penitência que pode ser recebida de luvas.

Há um pacto diferente entre o goleiro e a bola. O goleiro não quer enchê-la de efeito, não quer dominá-la com o pé, não quer dar chapéu, lençol, toque de letra.

E pensar que esta semana quando a nação despertou envergonhada na manhã de segunda-feira, por causa da seleção brasileira, só havia a imagem de um goleiro para confortá-la.

É preciso deixar claro que escrevo este artigo antes da seleção entrar em campo para enfrentar o Peru. Mas quero deixar claro, também, que nem a mais magistral das exibições me faria mudar de idéia.

E se Dunga se rendeu ao virtuosismo de Júlio César contra o Equador terá sido o único momento em que meus olhos viram a mesma coisa que os dele, porque não é possível que ele veja o mesmo Gilberto Silva que eu vejo. Ou que os olhos dele não tenham visto em Hernanes aquilo que os meus vêem.

Sobre Ronaldinho Gaúcho nem se fala porque, nesse caso, eu é que não quero acreditar no que meus olhos têm visto.